Anarquista, graças a mim — relendo Zélia com a mesma fome de quando eu tinha 13 anos de idade
- Eloina Santos
- 19 de mai.
- 2 min de leitura
Eu tinha 13 anos e não podia levar o livro pra casa. A escola pública onde eu estudava só tinha um exemplar de Anarquistas, Graças a Deus, da Zélia Gattai. Então, todos os dias, no intervalo, eu ia até ele. Lia ali mesmo, como quem visita uma amiga escondida.

Era o primeiro livro que eu lia por completo. Até então, minha experiência literária se resumia a gibis, revistas Capricho e alguns capítulos de livros lidos por obrigação. Mas com Zélia foi diferente: ninguém mandou. O título me fisgou de imediato — lembro das letras azuis na capa, com uma fonte que me fazia pensar no letreiro da Sessão da Tarde.
Sentei em uma mesa próxima à janela. Dela, eu via o pátio central e a fila da merenda — o tipo de vista que costuma distrair. Mas não foi o que aconteceu. Bastaram algumas páginas para eu mergulhar naquele cenário dos anos 1970, no seio de uma família de imigrantes que lutava por valores que, mesmo para uma menina tão nova, já faziam muito sentido.
Anos depois, reencontrei o livro num sebo. Comprei. Foi como abraçar uma versão minha que ainda acreditava que livros podiam transformar o que a gente sente por dentro — quando mais nada parece dar conta. Talvez eu ainda acredite. Talvez essa parte de mim ainda esteja aqui, enterrada sob as muitas camadas que a vida jogou por cima.
Agora, estou relendo Zélia. Não mais como a menina da escola, mas como a mulher que ainda sobrevive às margens — do mercado, das resenhas hypadas, da vida suave.
E, de novo, Zélia me pega pela mão.
😌