Eu precisava trazer esse filme, pois fazia tempo que algo tão simples e delicado não me tocava da forma como Um Pai para Lily me tocou. Afinal, não é sempre que se fala desses vazios tão diferentes e difíceis de nomear. Lily (Barbie Ferreira, com uma força que dói de tão real) não cresceu sem pai, cresceu com um pai fisicamente presente, mas emocionalmente deserto. É como ter uma cadeira sempre ocupada na sala, mas que nunca te vê, nunca te abraça. Freud chamaria isso de um "objeto vazio": uma presença que deveria nutrir, mas só deixa um rastro de frio e perguntas sem resposta. E Lily aprendeu a sorrir nesse deserto, plantando suas próprias florzinhas de resiliência, mas a sombra daquela rejeição moldou como ela se vê e como ama.
Quando Lily, quase por acidente, adiciona o outro Bob Trevino no Facebook, é como se o universo sussurrasse: "Tem outra possibilidade de afeto, minha querida, tome." Esse Bob (John Leguizamo, perfeito de tão humano) não é o pai biológico. Mas ele oferece o que faltou a vida toda: escuta de verdade, respeito sem cobrança, um cuidado que não sufoca. É como um “cobertor emocional” que Winnicott adoraria. Daqueles que aquecem sem precisar dizer nada. Um porto seguro onde Lily pode finalmente descansar o coração cansado de navegar por migalhas.
Costumo achar que Freud explica muita coisa, e aqui vai mais uma: sabia que a gente tende a repetir no amor as dores da infância? Lily, sem querer, vai atrás do pai biológico buscando aquela aprovação mágica que ele nunca deu. É como se ela dissesse: "Desta vez ele vai me ver, vai me amar!" Mas o pai dela é um narcisista. Ele só se aproxima para se sentir adorado, como um espelho que só reflete ele mesmo. Lily fica presa nessa teia, tentando tirar um sopro de vida de quem só oferece ar vazio. É triste, mas é um padrão que muitos de nós carregamos.
É quando o outro Bob, o generoso, declara: "Não posso ser seu pai", que a beleza realmente acontece. Pois é exatamente nesse limite honesto que surge o milagre. Sem a pressão de ser “o pai perfeito”, ele cria um espaço livre e leve. Winnicott diria que é nesse lugar ( sem expectativas gigantes), que o verdadeiro eu de Lily começa a respirar. Ela não precisa mais ser a “filha suplicante”; pode ser só Lily, aceita e amada como é. É como tirar um colete pesado que ela nem sabia que carregava.
O filme é dirigido com a sensibilidade de um ourives (Tracie Laymon, inspirada na própria história!). Repara como ela conta tanto nos detalhes: o silêncio que berra mais que grito, um olhar que diz o que as palavras não conseguem, um abraço na hora certa. E as cores? Cenas com o pai biológico são frias, sem graça, como um inverno doloroso e sem fim. Com o outro Bob, você sente o calor na tela, tudo fica dourado, é o afeto verdadeiro pintando o mundo dela. É lindo de ver!
Mesmo falando de abandono e dor, o filme aconchega. A amizade de Lily e Bob não é um remédio amargo, é um presente inesperado. É aquele tipo de vínculo que a gente sonha em ter: gratuito, paciente, cheio de humanidade. Barbie Ferreira nos mostra uma Lily com humor e uma força que vem das cicatrizes. Ela realmente te conquista. E Leguizamo? É o abraço em forma de pessoa. Sem ser piegas, só… bom.
Por fim, Um Pai para Lily, para mim, soa como um soneto que celebra a cura pelo encontro certo. Freud veria Lily reconstruindo sua “voz interna”, trocando o eco narcisista do pai por uma voz acolhedora e justa, como a do Bob. Winnicott sorriria vendo ela florescer num solo que antes parecia só pedra. E se ainda me cabe metáforas doces, sinto como se Lily, andando por um deserto, encontrasse uma floresta inteira onde só esperava um oásis. O filme não apaga a dor do passado, mas mostra que novos afetos podem regar até a terra mais seca. É um abraço em forma de história. Assistam!
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Título: Um Pai Para Lily
Titulo Original: Bob Trevino Likes It.
Direção: Tracie Laymon
Ano: 2024 (EUA)
Gênero: Drama | Comédia | Biografia.
Duração:102 minutos
Onde assistir: Netflix
2 Comentários
Que resenha linda! Eu também gostei do filme , ele tem o encanto de quem sabe falar duras verdades sendo gentil.
ResponderExcluirExcelente! É um final triste e ao mesmo tempo que aquece o coração.
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