Poderia fazer algo “maior”? Depende do critério.
Mas a grande virada do filme é entender que ele escolheu essa vida.
E a vive com uma autenticidade que não precisa de aplausos.
Enquanto assistimos a seus gestos repetidos, a poda cuidadosa das plantas, os olhares para o céu, os retratos analógicos de sombras, a sensação é de que estamos espiando alguém que não tem pressa de impressionar. Alguém que, por escolha própria (sim, por escolha!), decidiu viver longe das vitrines do mundo. E aqui, sem fazer muito barulho, entra Sartre pela porta dos fundos da narrativa.
O existencialismo sartreano não exige que a gente seja incrível, mas que a gente seja livre, ainda que isso signifique dizer “não” a tudo o que esperavam de nós. E Hirayama, com seu jeitinho contido e seu silêncio que fala, parece ter feito exatamente isso: recusou um roteiro pré-fabricado e escreveu o seu próprio, feito de faxinas e fitas cassete.
Sartre dizia que estamos “condenados à liberdade”, ou seja, sempre teremos que escolher, até quando fingimos não escolher. Mas ele também falava da angústia disso: e se escolher for errar?
Hirayama, ao que parece, responde com simplicidade: errar faz parte. Mas não escolher... isso sim seria um desperdício.
Dias Perfeitos é um filme que anda de meias pela casa. Não grita, não arrasta móveis, não dá spoilers da alma. Ele só mostra. Mostra como a vida, às vezes, cabe numa xícara de café, na traquinagem de uma gatinha, ou num dia comum que se repete, mas nunca igual. Mostra que há uma revolução silenciosa em fazer da rotina uma forma de poesia.
Para quem já leu O Ser e o Nada, o filme pode parecer um ensaio vivo sobre liberdade, autenticidade e a construção de si. Para quem acha que Sartre é o nome de uma planta francesa, o filme continua lindo. Porque o que importa não é saber o nome da teoria, é sentir que a vida pode ser feita à mão, mesmo que o mundo esteja nos oferecendo tudo em fast-food existencial.
E no fim, quando Hirayama chora sozinho no carro, sem dizer nada, é como se ele nos dissesse tudo: ser livre não é estar sempre feliz. É estar inteiro, mesmo quando dói.
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🎬 CLAQUETE:
Titulo Original: Perfect Days
Direção: Wim Wanders
Ano: 2024 (Japão/ Alemanha)
Gênero: Drama
Duração:2h 05min
Distribuição: VideoFilmes
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