Entre bisturis e culpas: o que Leslie Wolfe não suturou em "A Cirurgiã"

       

Com um atraso cirúrgico (e um pouco de anestesia no ânimo), enfim chego com esta resenha. Lançado em 2024 pela Faro Editorial, A Cirurgiã, de Leslie Wolfe, promete tensionar ética, técnica e a frágil natureza humana. Uma combinação que, em tese, seria a dose perfeita de suspense. O convite é feito sob luzes frias e o tilintar metálico do centro cirúrgico, onde nada é mais perigoso do que o erro humano. Mas será que o bisturi de Wolfe corta fundo o bastante?

 Então vejamos, a trama acompanha Anne Wiley, uma cirurgiã brilhante e obsessiva, cuja necessidade de controle beira o ritual. Nos gestos de ajustar as luvas e medir o corte, Wolfe desenha sua moral ambígua. Um erro em um procedimento de rotina abre uma dúvida perturbadora: falha técnica, julgamento equivocado... ou algo intencional? O hospital, com seus corredores estéreis e hierarquias frias, vira o palco de traições silenciosas e culpas disfarçadas.

 Ao redor de Anne, orbitam personagens que acendem faíscas de poder, desejo e medo. Colegas movidos pela ambição, superiores que fecham os olhos para alertas, e pacientes cujas histórias escondem segredos além dos sintomas. É nesse cenário que surge Paula Fuselier, uma promotora enigmática e metódica, suficientemente próxima para abalar as estruturas de Anne, mas distante o bastante para guardar suas próprias sombras. A relação entre as duas foi um o ponto bastante curioso da narrativa: um jogo de manipulação e inseguranças que mistura fascínio e desconfiança. Mas que também me decepcionou em aspectos comportamentais conflitantes com o estabelecido anteriormente pelo eixo narrativo.

 Wolfe tem domínio sobre o vocabulário clínico e sabe construir tensão, mas parece sofrer do mesmo mal que critica: o excesso de controle. Há momentos em que tudo é explicado, costurado, diagnosticado. E o que poderia ser inquietante se torna previsível. O resultado é um suspense que oscila entre a precisão técnica e a perda de pulso.

   

 A partir daqui, a análise contém  spoilers suaves, mas ainda assim spoilers.

 A entrada de Paula, a promotora, funciona inicialmente como um sopro de ar fresco, alguém que observa o caso de fora, com frieza e método. Mas à medida que a história avança, ela se torna o espelho desconfortável de Anne.  É Paula quem começa a visibilizar indícios da ligação de Anne ao paciente morto no início da trama. Assim como ligam Derreck, o marido de Anne, a condutas moralmente dúbias. Mexendo nos alicerces profissionais e pessoais da protagonista. O que é bom, pois  essa conexão desloca o conflito do bloco cirúrgico para o íntimo: o que está em jogo já não é apenas a reputação profissional, mas o peso de antigas feridas.

 O paciente que desencadeia a crise tem um passado entrelaçado com o da irmã adotiva de Anne. Uma revelação que, embora impactante, vem acompanhada de uma longa explicação. Wolfe tenta costurar trauma familiar e consequência clínica, e a ideia é potente, mas perde força por falta de sutileza. A autora alterna entre as investigações de Paula e as memórias fragmentadas de Anne, mas a troca constante de foco deixa o texto instável. E isso era como tiro na minha imersão.

 Paula, que tinha potencial para ser uma antagonista complexa, acaba soando esquemática: mais função de enredo do que personagem viva, quando não, uma vilã extremamente caricata contando seus planos de vingança.  Anne, por outro lado, tem presença verossímil dentro da sala de cirurgia, cada gesto, cada silêncio é crível. O problema é que, quando a história mergulha em seus traumas, Wolfe não confia no subtexto: explica demais, racionaliza demais. Derreck, o marido, poderia ter sido o gatilho emocional perfeito, mas é tratado como um mero catalisador externo. E ao meu ver,  quando tudo se explica, pouco se resta a sentir.

 És minha conclusão pós- cirúrgica:

 Chego ao fim com a sensação de que há mérito inegável em A Cirurgiã. Wolfe cria boas imagens, sustenta um universo hospitalar convincente e provoca reflexões sobre culpa e ética. Mas a leitura, em vez de intensa, se torna exaustiva, como uma cirurgia que se estende além do necessário. Ainda assim, para quem está dando os primeiros passos em  thriller médico de suspense, esta pode ser uma porta de entrada convidativa.

 Para mim, pessoalmente, faltou a precisão afiada que espero de um bisturi literário.

Até a próxima, 

Elôh Santos 




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Título: A Cirurgiã  Autor: Leslie Wolfe  
Páginas: 224  ✦ Ano: 2024 ✦ Editora: Faro Editorial

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1 Comentários

  1. É um livro que não me prendeu de jeito maneira, tive vontade de abandonar, porém querendo saber o que aconteceu... sendo que desde o início já dá pra ter um pouco noção! O plot é algo ok, mas nada demais...

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