Publicado originalmente em 2000 pela autora australiana Rosalie Ham, A Vingança Está na Moda é daqueles livros que você encontra num sebo e fica na dúvida entre levar ou não. A capa pode estar um pouco gasta, mas é assim mesmo: como a própria cidade de Dungatar, relatada em sua história, onde se escondem tesouros sob uma camada de pó.
A grande questão que paira no ar é: por que diabos ler uma história quando você já viu a adaptação cinematográfica estrelada por Kate Winslet, que é brilhante e fiel? Ah, minha cara pessoa que lê, a resposta é a mesma para explicar por que um vestido sob medida é infinitamente superior a um prêt-à-porter: os detalhes internos fazem toda a diferença.
Comprei esse livro de uma pessoa que vendia exemplares na rua. Escolhi alguns outros, e esse quase ficou para trás sob o argumento de que “já sabia a história”. Que equívoco colossal! Ler o livro depois do filme é como ter acesso aos bastidores do maior drama de uma cidadezinha, daquelas estilo Xique-Xique, Bahia, só que elevado ao extremo.
Enquanto o filme nos mostra a fofoca maldosa no correio, o livro nos entrega o monólogo interno da fofoqueira, seus desejos secretos e sua coleção de travesseiros de crochê estranhos. A sátira ácida e o humor negro que no filme são pinceladas, no livro são uma técnica de gotejamento contínuo, envenenando o leitor de prazer página após página.
A grande magia da obra de Rosalie Ham está na sua prosa afiada como alfinete. A leitura é desconcertantemente agradável e fluida, uma delícia cínica de se devorar. Eu li em dois dias, não por obrigação, mas pela pura volúpia de testemunhar a podridão moral de cada habitante de Dungatar sendo exposta com a precisão cirúrgica de Tilly em uma costura. A narrativa onisciente salta de mente em mente, e é hilário (e um pouco aterrorizante) constatar que todo mundo naquele lugar é, em algum nível, um canalha, um covarde ou uma vítima disfarçada de algoz.
E falando em personagens, o livro oferece um pacote completo de fofocas sujas que o filme, por questões de tempo, só pôde insinuar. A relação de Tilly com sua mãe, Molly, ganha camadas de tragédia e comédia absurdas que são simplesmente impagáveis. A sra. Pratt e suas salsichas enigmáticas, o conselho municipal corrupto, os casos extraconjugais mais patéticos do hemisfério sul... tudo é explorado com uma riqueza de detalhes que transforma Dungatar de pano de fundo em personagem viva, respirando e cheirando a mofo e inveja.
Aqui, a vingança não é apenas um ato final espetacular. É um processo lento e metódico. Cada vestido que Tilly cria é uma arma carregada de significado social, e o livro oferece a cartilha completa dessa munição. Entendemos cada escolha de tecido, cada cor, cada corte, como se fosse uma estratégia de guerra. A transformação que a alta-costura opera naquelas mulheres é ao mesmo tempo libertadora e profundamente corruptora, e assistir a isso em palavras é mais satisfatório do que ver apenas o resultado final na tela.
(Spoiler leve a seguir, prossiga com cautela!)
E o clímax, o famoso desfile? No filme é visualmente deslumbrante e caótico. No livro, é catártico e profundamente simbólico. A sensação de “queimar a casa”, literal e metaforicamente, ganha um peso emocional e psicológico que a imagem, por si só, não consegue carregar. A frieza final de Tilly, suas últimas ações na cidade, tudo ressoa com potência maior quando você esteve dentro da cabeça de todos os envolvidos. A vingança é um prato que, no livro, é servido gelado, com um molho ácido e um toque de genuína satisfação.
No fim das contas, a experiência da leitura é inédita e complementar. Se o filme é um lindo cartão-postal de uma cidade em chamas, o livro é o diário secreto de cada morador, detalhando como e por que eles mereciam o incêndio. Portanto, se você, assim como eu, hesitar diante de um sebo e do argumento da “fidelidade”, não hesite. Leve. Mergulhe de cabeça nesse poço de perversidade australiana. Garanto que sairá dele não apenas entretido, mas com um sorriso cúmplice e ácido nos lábios, como quem acaba de dar o arremate perfeito em um vestido de vingança.
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1 Comentários
Excelente convite.
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