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Tieta do Agreste: Hipocrisia, Redenção e os Segredos que Santana do Agreste Nunca Contou | Resenha Crítica

Atualizado: há 6 dias






Querida pessoa que ler, imagine uma mulher que retorna à sua cidade natal depois de 26 anos, carregando o estigma de “mulher da vida”, uma inteligência afiada e uma conta bancária que faz até os mais devotos reverenciarem. Assim entra em cena Tieta do Agreste, de Jorge Amado — uma narrativa que mistura crítica social, ironia mordaz e uma brasilidade pulsante. A história se desenrola em Santana do Agreste, vilarejo fictício onde o juízo alheio corre solto, e a moralidade muda conforme a direção do vento.


Tieta (ou Maria das Neves, nome que quase ninguém lembra), é expulsa de casa ainda jovem por “desonrar” a família. Décadas depois, volta como uma rica e respeitável viúva paulista. Mas respeitável só até a página dois — ela não esqueceu o que sofreu e chega com planos. Sua generosidade é estratégica: financia melhorias na cidade, banca projetos ecológicos e até se envolve com o futuro dos caranguejos do mangue. Tudo isso com o charme de quem sabe jogar o jogo. Ao seu lado, Leonora, sua companheira e possível sucessora moral, navega entre admiração, submissão e um certo desejo de autonomia que Tieta nem sempre permite.


Perpétua, irmã de Tieta, representa bem a moral de fachada: é rígida, religiosa, mas não recusa os benefícios trazidos pela irmã “pecadora”. Essa tensão entre aparência e conveniência atravessa todo o enredo. Jorge Amado não escreve vilões ou mocinhos — ele escreve gente. E em Santana do Agreste, todos têm telhado de vidro.


Livro Tieta do Agreste

A trama costura denúncias sutis (e nem tão sutis assim): o coronelismo envernizado em discurso de progresso, o machismo disfarçado de ordem, a igreja se curvando ao poder econômico, e a política como grande teatro. Há cenas burlescas, mas também reflexões profundas — tudo envolto no humor ferino único, presentes nas obras de Jorge. O prefeito, por exemplo, cita Castro Alves enquanto desvia verba pública: um personagem tragicômico que poderia muito bem estar em qualquer noticiário atual.


O grande mérito do livro não está em surpresas ou reviravoltas, mas em como Jorge Amado desmonta, com elegância debochada, a hipocrisia social. A mesma cidade que expulsou Tieta, agora a celebra — desde que ela mantenha as aparências. O recado é claro: redenção, no Brasil, depende mais do bolso do que da alma. E enquanto a cidade se emaranha nas próprias contradições, a natureza observa — silenciosa, ameaçada, persistente. Os caranguejos, quase extintos, viram metáfora de resistência num cenário onde tudo parece negociável.


Ao final, não há redenção definitiva, nem punição exemplar. Tieta não vira mártir nem vilã. Ela desaparece como chegou: inesperada, transgressora, incompreendida. O Agreste continua, com suas festas, seus segredos e sua moral flexível. A vida segue. E a hipocrisia, também.


Por que esse livro me marcou?


Confesso, meu primeiro encontro com Jorge Amado foi através de Tieta, e foi amor à primeira página. Na época, adolescente, eu devorava as cenas escandalosas e ria das ironias, sem capturar todas as nuances. Anos depois, reli e entendi que Amado não está só contando uma história, mas expondo as entranhas de um Brasil que mistura puritanismo e libertinagem, progresso e atraso. Embora meu coração pertença a Farda, Fardão, Camisola de Dormir (ah, aquele baile de gala com fantasmas da ditadura…), Tieta foi a porta de entrada para a coleção completa do autor na minha estante. E que porta! Colorida, barroca, cheia de personagens que parecem sair da mesa do bar para contar seus causos.


Se você ainda não leu, pense nisso como um convite: entre no Agreste, deixe-se levar pela malandragem de Tieta e, quem sabe, no final, você também vai rir da cara da moralidade — enquanto torce para os caranguejos sobreviverem.



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Nota da Autora do Blog: Inaugurar um blog com resenhas assim é como tentar presentear o mundo com um buquê de flores em forma de letras. Sigam-me, comentem e curtam as resenhas. Assim, vocês me ajudam a ter mais tempo para meus devaneios literários afetados pela psicanálise, café coado e o ronronar de minhas gatas.

 

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E aí, já leu? Conta nos comentários se você também ficou com vontade de fofocar com Tieta. E se ainda não leu e deseja tê-lo na sua estante, adquira o seu através do nosso link e ajude o blog! 

Título Original: Tieta do Agreste✦ Autor: Jorge Amado

Páginas: 656 Ano: 2009 ✦ Editora: Companhia das Letras

6 Comments

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Rated 5 out of 5 stars.

Muito obrigada. E eu concordo inteiramente com você, também tenho essa sensação que sempre falta algo essencial que não foi falado. É porque é tudo tão significativo... concordo muito contigo!!!

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Rated 5 out of 5 stars.

Você não faz ideia de como gosto das obras de Jorge Amado. Só é impossível decidir qual tocou mais na minha alma. Parabéns a Você que conseguiu eleger Farda , Fardão, Camisola de Dormir como predileto. Até hoje não conseguir hierarquizar nenhum dos que li!!!!


Beijo

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A tarefa não foi fácil. Não conta pra ninguém , mas tenho caso de amor profundo por Capitães da Areia, flerto descaradamente com Dona Flor e Seus Dois Maridos, tenho uma paixão adolescente por Gato Malhado e a Adororinha Sinhá. Farda , Fardão , Camisola de Dormir é o oficial, mas não prometi fidelidade :)

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Rated 5 out of 5 stars.

Também fico maravilhada com a forma que Jorge expõe as vísceras da falsa moralidade brasileira em suas obras.

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É de se maravilhar, realmente !

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Guest
May 05
Rated 4 out of 5 stars.

Vc expõe muitos elementos válidos da narrativa. Mas acho a leitura desse livro tão complexa que no quesito personagens , que para mim sempre tá faltando algo nas resenhas que leio. Mas a sua é muito boa!

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