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Anora: Quando o Corpo é um Cabaré e a Alma um Quarto Vazio

Atualizado: 7 de mai.


Mickey Madison é Ane em Anora

Ani (Mikey Madison), a protagonista de Anora (2024), não é a típica “heroína que chora no banheiro do clube”. Ela é aquela que ri alto para abafar o barulho da própria alma, dança como se os movimentos pudessem preencher o vazio do peito e, quando o cliente pergunta “Quanto custa uma hora?”, ela responde com um sorriso que parece um cupom de desconto da própria dignidade.

Sean Baker, mestre em retratar personagens que vivem à margem do sonho americano, constrói em Ane uma figura tragicômica: uma mulher que vende fantasias, mas carrega uma realidade tão pesada que até o salto alto entorta.


A gente conhece Ani (ou Anora, como está no RG) naquele estado de suspensão. Nem exatamente perdida, nem exatamente encontrada. Tem 23 anos, mora no Brooklyn e trabalha como stripper. Mas o que ela quer de verdade? Aí a coisa fica mais embaixo.


1. A Dança do Desejo X Conta do Aluguel:

A narrativa de Anora coloca Ani dentro de um cabaré, onde seu corpo é o produto, mas sua alma é o troco. Ela ri dos clientes, flerta com o perigo e bebe como se a vodca fosse um líquido apagador de memórias. Baker, fiel ao estilo de trazer à tona dilemas sociais, aqui lança luz sobre a prostituição: mostra o cansaço das pernas bambas após horas de salto, o olhar vazio de Ani enquanto conta notas sujas, e aquele momento em que ela se encosta no espelho e pergunta, sem dizer uma palavra, “cadê a saída?”.


Ani está presa na gangorra entre o que ela quer (afeto, segurança) e o que ela precisa (sobreviver). Metaforicamente escrevendo, vejo Ani como um celular com 1% de bateria, sempre plugado em fontes erradas (relacionamentos tóxicos, promessas falsas) só para não desligar.


Ane de Anora

2. O Namoro com o Desastre:

No meio do caos, Ani se envolve com um cliente russo — um cara que promete tirá-la daquela vida, mas cujo “amor” vem com etiqueta de preço e cheiro de vodca premium. Aqui, Baker brinca com a fantasia do salvador, tão comum em suas obras ( já assistiu Tangerine?. Prometo resenha). Só que, em vez de um príncipe encantado, o cara é um nepobaby capitalista pós-soviético que trata Ane como um investimento de alto risco.

Os padrões autodestrutivos de Ani são tão assustadoramente comuns, e é isso que causa identificação. Você não precisa estar no contexto do "job" para entendê-la, só precisa lembrar de quantas vezes optou por estar em relacionamentos disfuncionais, ao passo que tentava pinta-los com as cores do seu conto de fadas. Infelizmente não é incomum essa combinação de um ímã no coração e outro na lata de lixo.


3. A Máscara de Glitter e o Rosto no Espelho:

Uma das cena mais poderosa do filme na minha concepção é quando Ani, após uma noite de trabalho, tira a maquiagem com um lenço umedecido. O glitter some, os cílios postiços caem, e o que sobra é um rosto que nem ela reconhece. Baker faz isso sem melodrama — é só ela e o reflexo, num silêncio que dói mais que salto 15.

Vamos a mais uma metáfora para desenhar o que penso: imagino a Ani como um apartamento alugado, cheio de móveis bonitos e uma pintura recém reformada, mas no real é que se você investigar mais a fundo, verá as marcas de mofo nas paredes e também irá descobrir que os canos vazam. Basta olhar com mais sensibilidade e vê que ela externaliza um vazio que nem ela mesma entende — e é essa melancolia discreta, quase invisível, que fez querer abraçar a tela.


Mikey Madison em Anora

4. O Final (Sem Spoilers, Só Tragicômico):

Sem revelar o destino de Ani, digamos que Baker não entrega um “felizes para sempre”. Em vez disso, ele mostra uma mulher que aprendeu a rir da própria dor, mas ainda não sabe chorar por ela. É como se, no último plano, Ani virasse para a câmera e dissesse: “Querido público, você veio me ver dançar, mas eu só queria ser vista de verdade.”


Conclusão (de quem chorou com esse filme):

Ani não é uma mocinha clássica. Ela é contraditória, impulsiva, carente, esperta. E é justamente por isso que ela pulsa. Porque ela encarna o desejo de ser amada e reconhecida — não como uma princesa intocável, mas como alguém de carne, sonho e tropeço.

No fim, Anora não é só um filme sobre uma dançarina que se casa com um rico. É uma viagem pelo inconsciente de uma mulher que queria escrever uma nova história pra si — com as armas que tinha, e as feridas que carregava.



🎬CLAQUETE :

Filme: Anora  

Título original: Anora

Direção: Sean Baker

Ano de lançamento: 2024 | Drama | Duração: 139 minutos

Pais: EUA

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