Coisas que Você Só Vê Quando Desacelera – e o que Bauman murmuraria ao pé do ouvido
- Eloina Santos
- há 1 dia
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Você já se sentiu dentro de uma máquina de lavar no modo centrifugação? A cabeça gira, o tempo escorre e, quando você vê, já é domingo à noite de novo. É nesse ritmo frenético que o monge sul-coreano Haemin Sunim nos estende um tapete de seda, dizendo com calma: “sente-se, respire, observe”. Coisas que Você Só Vê Quando Desacelera não é um manual de autoajuda, mas uma espécie de abrigo afetivo — desses que a gente entra descalço, com as ideias ainda bagunçadas, e sai mais inteiro.

A obra, delicadamente ilustrada, parece nos lembrar que existe beleza no óbvio, sabedoria no simples e tempo… bom, o tempo é outra conversa. E é aí que podemos puxar uma cadeira a mais para ninguém menos que Zygmunt Bauman. O sociólogo polonês descreveria essa nossa correria como resultado da modernidade líquida — onde tudo escorre por entre os dedos: o trabalho, o amor, a identidade, o sentido. Bauman diria que estamos em um mundo onde nada é feito para durar. E Sunim responde, quase como um sussurro gentil: desacelerar é o único jeito de não ser arrastado.
Da pressa à presença: um antídoto poético
Enquanto Bauman aponta para a fluidez das relações, Sunim nos ensina a cultivar vínculos com presença e paciência. Se de um lado temos o “amor líquido”, do outro encontramos a ternura de quem ouve com atenção, de quem permanece mesmo quando o outro não está no seu melhor dia. O monge não fala sobre utopias românticas, mas sobre um compromisso silencioso com o agora — como quem rega uma planta todos os dias, mesmo quando ela parece não florescer.
Identidades em crise e a arte de simplesmente ser
Em um tempo onde somos pressionados a performar uma versão constantemente atualizada de nós mesmos (com filtros e hashtags), Sunim nos lembra que existe uma força poderosa no retorno ao essencial. Não é necessário se reinventar todos os dias. Às vezes, basta se reconectar com aquilo que já somos. Se Bauman vê a identidade líquida como um projeto sempre inacabado, Sunim responde com um sorriso: a autocompaixão é mais revolucionária que qualquer feed impecável.

Consumo, preenchimento e a falsa promessa da próxima compra
Outro ponto de encontro entre os dois autores é a crítica ao consumo como alívio emocional. Bauman aponta o vazio produzido pela sociedade de consumo, e Sunim costura essa crítica com linhas de simplicidade. Ele nos mostra que a felicidade pode morar na xícara de chá, no travesseiro confortável, na gratidão pelo que já se tem. É como se dissesse: “não é sobre ter, é sobre acolher”.
Quietude como resistência
No fim, talvez o ensinamento mais forte do livro seja este: existe potência na quietude. Sunim nos dá ferramentas práticas — meditação, atenção plena, escuta — não como modismos, mas como resistência ao mundo que grita. Se Bauman faz a crítica, o monge oferece o caminho. Um propõe o diagnóstico, o outro entrega o cuidado.
Coisas que Você Só Vê Quando Desacelera é um convite para silenciar sem se apagar, para olhar com mais calma, para viver sem pressa — porque, às vezes, só quando o lago se acalma é que conseguimos ver o céu refletido na água.

Título: As Coisas Que Você Só Vê Quando Desacelera ✦ Autor: Haemin Sunim
Páginas: 256 ✦ Ano: 2017 ✦ Editora: Sextante
Confesso já ter lido Quando as Coisas Não Saem Como Você Espera e até gostei. Mas como tenho predileção por mundos fantásticos, eu me perco nos romances de fantasia. Vou abrir espaço para essa leitura acolhedora que você menciona na resenha.
Elôh, seu nome não é? Moça que resenha linda , que sensibilidade ! O Bauman é o meu teórico de cabeceira , e posso lhe dizer, você traz as ideias dele de forma simples e acessível. Eu já li o livro do Sunim, inclusive " Amor Pelas Coisas Imperfeitas". E sim , a escrita dele nos oferece aconchego , abrigo . Você acertou em cheio. É tão satisfatório encontrar blogs assim... reais!