Coraline e a porta que toda criança (e adulto) já teve vontade de abrir.
- Eloina Santos
- 22 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: há 7 dias

Tem histórias que nos pegam pelo enredo, outras pelo medo. Coraline, de Neil Gaiman, faz os dois, e ainda oferece um banquete simbólico para quem adora refletir sobre o que há por trás das escolhas humanas, especialmente as de uma criança entediada. Coraline não é só uma menina curiosa. Ela é todas as crianças que já quiseram fugir de uma realidade sem graça, cheia de "agora não" e "tô ocupado". E é também todos nós, quando nos deparamos com um mundo tentador... demais.
Neste texto, vamos passear pelos corredores desse universo alternativo da Coraline, refletir sobre mães com botões nos olhos e, claro, tentar entender por que o Gato não tem nome, mas tem respostas melhores que muitos terapeutas. Vem comigo!
Primeiro: quem é Coraline?
Coraline é uma criança comum (ou quase isso). Ela não é precoce, nem absurdamente corajosa. Coraline é criança, o que já basta, vamos concordar. Tem aquele tédio típico da idade e um impulso irresistível de explorar. O novo apartamento, os vizinhos esquisitos, a porta misteriosa na sala. Tudo vira pista, tudo é possibilidade. E é justamente aí que mora o encanto... e o perigo também.
Coraline está naquele estágio da infância em que o mundo real começa a perder o brilho, mas ainda é cedo pra se prender aos limites que os adultos impõem. Ela quer mais. E encontra.
És um mundo feito sob medida (mas a costura tá meio torta):
No outro lado da porta, a magia: comida boa, atenção exclusiva, pais mais carinhosos, vizinhos mais performáticos. É a realidade turbinada, como um sonho em que tudo finalmente gira ao seu redor. Mas Neil Gaiman não entrega conforto de bandeja. O que parece feito sob medida para Coraline logo revela sua costura malfeita. Tudo ali é bonito... demais. Simétrico... demais. E se tem algo que criança esperta aprende cedo, é desconfiar de quem oferece tudo sem pedir nada.
O Gato: um terapeuta sem nome.
Ah, o Gato. Sarcástico, livre, irônico. Ele não tem nome, porque nomes aprisionam, e ele é exatamente o oposto disso. Parece que leu Lacan numa almofada ou passou umas férias com Clarice Lispector. Coraline, às vezes, é mais madura que ele. Outras, ele parece carregar séculos de sabedoria felina nas patas. É ele quem diz a frase que, se fosse tatuagem, iria direto pro braço de quem já sobreviveu a uma desilusão: “As pessoas têm medos diferentes. Por isso a Outra Mãe não parece igual para todo mundo.” A Outra Mãe é feita daquilo que você mais deseja , e por isso mesmo, é o que mais pode te ferir.

O Outro Mundo: o espelho invertido do desejo
Neil Gaiman cria um universo que não é só sombrio, ele é sedutor. E isso o torna mais perigoso que qualquer monstro. A Outra Mãe não grita. Ela cozinha. Ela escuta. Ela quer te costurar com amor (literalmente, e aí é que mora o terror). Correto afirmar que a relação da Coraline com os pais reais é cheia de nuances. Eles estão fisicamente presentes, mas emocionalmente distantes (alguém aí já se sentiu assim?).
A “Outra Mãe”, que parece perfeita, é como uma projeção dos desejos inconscientes de Coraline: aquela figura que a ouve, faz comidas gostosas e dá atenção. Só que, no mundo real, ninguém é 100% disponível. E é nessa falta que a gente cresce. Esse Outro Mundo é uma viagem ao inconsciente, onde desejos reprimidos ganham forma e olhos de botão. É ali que Coraline precisa escolher: o amor sufocante da falsa perfeição ou a imperfeita, mas real, liberdade de ser criança com tédio, sim, mas com autonomia.
Coraline enfrenta o pesadelo, mas volta inteira.
O grande feito de Coraline não é matar um monstro. É dizer “não”. É enfrentar a fantasia sedutora e optar pela realidade, mesmo com todos os seus “tô ocupado” e “comprei pizza hoje”. E isso é um relato de amadurecimento lindo de ler. Ela não retorna do Outro Mundo como heroína em trono de glória. Ela volta como uma menina que agora sabe o valor de sua própria coragem. Isso, por si só, já é um baita final feliz.
Considerações finais:
Coraline é uma fábula moderna, embalada com terror e metáforas, que nos lembra o quanto é difícil e importante, crescer. Neil Gaiman oferece mais do que sustos: ele entrega uma jornada simbólica onde o verdadeiro inimigo não é a Outra Mãe, mas a armadilha da fantasia sem limites. E Coraline? Ela aprende que portas misteriosas são tentadoras, mas que abrir e fechar , com consciência, faz parte da arte de crescer.
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Nota da Autora do Blog: Inaugurar um blog com resenhas assim é como tentar presentear o mundo com um buquê de flores em forma de letras. Sigam-me, curtam e comentem nas postagens. Assim conseguirei seguir com mais devaneios literários afetados pela psicanálise, café coado e o ronronar de minhas gatas.
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Título Original: Coraline ✦ Autor: Neil Gaiman ✦ Ilustrações: Chris Riddell
Gênero: Ficção ✦ Páginas: 224 ✦ Ano: 2020 ✦ Editora: Intrínseca
Olá, Elôh
Você ganhou uma seguidora. Acredite, eu ainda sou daquelas que amam demais blog literários e descobri i seu por acaso. Vi que ele é recente, então desde já boa sorte, e por favor siga escrevendo com essa perspectiva delicada e psicanalítica, eu simplesmente adorei.